terça-feira, 5 de julho de 2016

Passou esse verão

Depois dos gritos, o silêncio.

A batida do portão.

Ficou estática por algum tempo, as lágrimas escorriam, mas não era exatamente um choro. Caminhou até a sala, viu o carro arrancar.

Silêncio.

Trancou a porta e foi trabalhar.

Os anos de alguma forma, ensinam a não parar, a sorrir por fora, mudar o foco, não falar no assunto.

Voltou tarde da noite, acendeu a luz da cozinha e ainda podia ouvir os gritos da manhã. Chorou antes mesmo que as lágrimas caíssem.

O fim não era um lugar novo, a dor tão pouco, mas a sensação de chegar novamente nele lhe fazia chorar cada vez mais baixo e contido. Não havia grande surpresa em chegar àquele fim, ele era anunciado, previsto.

Chorou o bastante até o banho, durante ele, até adormecer sabendo que, por mais difícil que fosse aquele era de alguma forma, o único lugar que poderia te levar a um novo lugar.

Amanheceu. Abriu a janela.





O novo, de novo. 

"Passou esse verão
outros passarão
eu passo. "
Chico

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Dois pra lá, dois pra cá

É simples, mas não parece. Não tem treino ou coreografia.

É decisão de se aproximar, de estender a mão, de sincronizar movimento, respiração. É esperar ela parar de falar, pra poder girar.

É não parar de falar, pra manter o controle, mas deixar-se levar. É a decisão de continuar quando a música acaba.

Só mais essa.

Ela para de falar.

Sincronizam-se por mais de uma música, sem perceber.

Ele ri, ela questiona, ele reclama da música, ela parou de ouvir a música desde que deixou de resistir parou de falar.

Instinto e movimento.

A música pára, agradecer, voltar a mesa, retocar o batom, retomar a conversa, observar a festa, anular a intimidade.

Dois pra lá, dois pra cá. Sincronizar despedida, história, velocidade, realidade.

Parece simples, mas não é.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Feliz vida, Cafofo!

Cafofo,
 
Hoje é seu primeiro aniversário e preciso que saiba que, mesmo não tendo vivido esse ano
juntos, foram poucos os dias que não tive você na memória e no coração.
 Nem tudo nasce de um sonho, mas você nasceu. Tá certo que foi um sonho emprestado,
mas desde que passei a compartilhar dele, você foi muito amado.
Lembro a primeira vez que me apaixonei, numa sexta-feira à noite, chuvosa e você ainda
era um embrião sujo, com um amontoado de velharia.
Sua gestação foi longa, demorada, mas isso não quer dizer que não me tenha trazido
felicidade muito antes de ser lindo assim como é hoje.
Tiveram os dias de deitar no chão ainda sujo e imaginar como você seria e mesmo no dia
em que sai gritando por uma barata ter passado pelas minhas costas, guardo a lembrança
dos gritos com riso. As tardes de rinite nas lojas de móveis usados, procurando algumas
das peças que vivem aí com você hoje. Litros de tinta e suor, em tardes de te pintar e
confidenciar a vida com amigos que ajudaram você a nascer. Já não sei contabilizar quanto
tempo tudo durou, houve muitos momentos de reclamar o cansaço e achar que você
nunca ficaria pronto, mas eram compensados pelos banhos cheios de riso, tirando a tinta
do corpo e as falas de “nossa, já tá tão bonito”. E você ainda nem estava, ainda faltava
muito, mas sorríamos a cada branquinho ou buraquinho que desaparecia.
Até que há exato um ano, sentei embaixo do mezanino, no sofá, olhei para a varanda e
chorei emocionada.
Você havia nascido.
Tudo havia se encaixado, como se tivesse sido milimetricamente pensado. E não foi, o que
o tornava ainda mais mágico e lindo.
Então preparamos a festa e você recebeu todos os amigos e os presentes junto com o
aniversário do dono oficial do sonho e quem estava mais feliz do que qualquer outra
pessoa pelo seu nascimento.
Ali você era, enfim, uma realização.
A vida tem dessas coisas e muito pouco depois, nos despedimos.
Isso nunca fez com que eu deixasse de te amar menos, pois ali você já fazia parte de mim,
da minha história.
Você foi um dos sonhos mais bonitos que pude sonhar junto, uma das realizações mais
incríveis da minha caminhada até aqui e eu lhe sou muito grata por isso.
Feliz primeiro ano de vida e que receba todos os novos sonhos que serão sonhados e
realizados aí dentro, com o mesmo amor que você recebeu.
 
Com amor,
Ana

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Amanhã eu fui, ontem eu vou!

Talvez nosso maior pecado seja a maldita mania de querer eternizar tudo. Passamos a vida recolhendo lembranças, fotografias, sempre na esperança de poder "voltar" àquilo, àquele lugar ou alguém.

Não!

Férias terminam, sabonetes se desfazem, bolachas murcham, romances ficam desinteressantes, pessoas morrem, casamentos acabam, amores se esgotam.

Simples assim.

Às vezes é sem aviso nenhum. Vira noite de uma hora pra outra e você sai correndo pra recolher o que consegue pra tornar aquilo eterno. Mas o pior é que na maioria das vezes, você tem consciência da finitude e ao invés de sorrir à vida enquanto vive, fica angustiado pensando "isso vai acabar.."

Ô gente besta pra amar passado e futuro.

"Meu mundo é hoje, não existe amanhã pra mim"

Dizia Wilson Batista e não sei porque diabos a gente insiste em não adotar pra si.

Por que raios perguntamos as crianças o que elas querem ser quando crescerem? Por que ao invés de admirarmos o por do sol, corremos pra pegar a câmera fotográfica? Por que é que a gente ainda guarda aquele bilhete do show? De que adianta passar um dia inteiro se perguntando "e se eu tivesse...?" "e se eu fosse...?"


Talvez não foi como você planejou, mas a vida seguiu, meu amigo! Tudo sempre continua e se alguma coisa te sacode aí? É hoje, mermão!

Já que muito pouco você conseguirá prever de seu futuro, desamarra tudo aí e vai viver, 

PORRA!

"Muito breve e agitada é a vida daqueles que não esquecem o passado,
 negligenciam o presente e temem o futuro.
 Quando chegam ao fim, os coitados entendem,
 muito tarde, 
que estiveram ocupados fazendo nada.”
Seneca

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Meia dúzia de uma dor inteira


Naquela tarde, ela me pediu pra voltar.
Eu não voltei.
Passei os últimos anos me perguntando por que diabos eu não havia voltado. Eu estava cansada, não imaginei que fosse ser o último dia dela ali, não aguentava mais aquela realidade.
Seis anos me condenando e me perdoando por algo que, na verdade, não tinha volta.  Qualquer que fosse a resposta, ela não voltaria.
Ela não voltou.
Seguiram-se então, seis longos e cheios anos.
“ É Ana, é ferida que nunca cicatriza, não é?” – me disse, dia desses, uma amiga na mesa do bar.
“ Sim, cicatriza.”
“ Mas, você está chorando!”
“ Às vezes dói olhar uma cicatriz, mas isso não quer dizer que a ferida esteja aberta.”
Ela levantou e foi ao banheiro, eu voltei pra casa pensando nisso. 
Há tempos tenho uma frase feita que é; “A dor passou e ficou a saudade.”
Mentira.
Não é mais aquela dor que dilacera, que arromba o peito às quatro da tarde quando você se lembra do que aconteceu, mas também não é saudade. É uma dor menor, algo mais próximo do dolorido, talvez.
Voltei pra casa dolorida.
Lembrei-me de Dona Tetê, 74 anos, que trabalhava no café da empresa onde fui trabalhar na semana seguinte da morte de minha mãe, ela me viu chorando enquanto fumava um cigarro, pegou minha mão e disse:
“ Sei que é duro minha filha, mas olha,  essa história de que a dor passa é mentira, faz 42 anos que minha mãe morreu e não passou ainda não.”
No momento eu ri e respondi:
“Diga isso não, Dona Tetê”.
E ela me abraçou.
Senti vontade de abraça-la novamente, hoje com seus 80 anos e dizer que após precoces seis anos, eu a entendo um pouco mais.
Mas, também tive vontade de contar a ela, Dona Tetê e à minha mãe, de que mesmo quando a dor não passa, a felicidade chega.
 Nesses anos, foram muitas as noites de tristeza, mas foram mais ainda os dias de felicidade.
Contar que cada vez que abraço um dos meus irmãos, sinto a vida fazer mais sentido, que redescobri meu pai de uma forma mágica e necessária, que aprendi e amo cozinhar. Que meu caminho cruzou o caminho de mais dois amigos e que esse encontro me fez madrinha de uma criança, que gera em mim um amor que jamais imaginei ter num ser tão pequenino e inofensivo. Que sempre que escuto os aplausos após uma palestra, penso no quanto queria que ela estivesse de alguma forma, que vivi pela primeira vez um amor verdadeiro por um homem, que esse amor me fez uma pessoa infinitamente melhor e que depois que ele se foi, entendi finalmente o que ela me dizia sobre seguir cantando.
Como já disse outras vezes aqui, o que me mata por dentro é não poder sentar com ela na cozinha e ter uma daquelas conversas intermináveis.
Talvez contar que, apesar de tê-la perdoado por ter ido embora, a vida por tê-la levado e o médico por ter errado, não consegui me perdoar por não ter voltado ao hospital naquela maldita tarde.
Escrevi isso tudo só pra desentalar mais um dos milhares que ecoam vez ou outra dentro de mim:
“ Desculpa por não ter voltado, mãe.” 

Do mais, a vida segue colorida e feliz com a eterna gratidão por cada mão que segurou  minha, nesses últimos seis anos.



Em especial sempre a Thiago, Clarissa e seu Pontes. 
Mas, esse ano às amigas-mães, que têm me feito resignificar isso tudo. 
Téia, Ana Cláudia e Claudinha, vocês me inspiram. 
E ao casal-querido Amanda e Renato 
por terem segurado tão forte minha mão nos últimos  meses.



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

New summer

Costumo dizer que uma relação acaba muito antes de ser terminada. 

Não foi diferente ali.

Foram meses de olhos acordados antes do despertador, olhando para o teto e perguntando por que diabos eu estava insistindo naquilo. Havia tempos, exatamente às oito e trinta da manhã o dia se tornava preto e branco e só tomava alguma cor quando já era noite.

Mas não havia sido sempre assim.

Antes havia pulo da cama, cantoria no banho e no transito. Havia cores, bom dia, discussões calorosas, pizza às onze da noite entre papeis e indicadores. Havia propósito.

Alias, foi ali no tempo das cores, que talvez tenha descoberto o verdadeiro sentido da palavra propósito. Ironicamente, regida pela mesma maestria que mais tarde iria me fazer descobrir profundamente sentimentos como a decepção e o desprezo.

E já que todo carnaval tem seu fim, foi numa quarta feira que meu tempo ali terminou. 

Minhas malas já estavam prontas. 

Agradeci choros hipócritas e chorei com agradecimento dos poucos e verdadeiros personagens que queria levar dali. Reconheci olhares que denunciavam querer estar no meu lugar, que desejam ver seu tempo terminado ali também. 

Desci o elevador segurando o pouco que queria levar daqueles anos e confesso que por quinze andares, fui tomada por um medo, chegando a me perguntar "e agora?". Foi quando a porta do elevador se abriu, sai pela porta daquele prédio e jamais esquecerei a sensação de liberdade que me invadiu. 

Havia um mundo a se desbravar. Havia um mundo só meu.

E então fez-se um novo tempo, cheio de cores e música. Todos regidos por um propósito.

Meu propósito.

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas
que já têm a forma de nosso corpo...
Esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares

É o tempo da travessia!
E se não ousarmos fazê-la,
Teremos ficado, para sempre
à margem de nós mesmos."

(Fernando Pessoa)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O tempo passou na janela ...




Foi-se um ano.
E tanto havia pra partilhar.
Mas avisa lá, que Ana voltou,
Cheia de coisa pra contar!