Naquela tarde,
ela me pediu pra voltar.
Eu não voltei.
Passei os
últimos anos me perguntando por que diabos eu não havia voltado. Eu estava
cansada, não imaginei que fosse ser o último dia dela ali, não aguentava mais
aquela realidade.
Seis anos me
condenando e me perdoando por algo que, na verdade, não tinha volta. Qualquer que fosse a resposta, ela não
voltaria.
Ela não voltou.
Seguiram-se
então, seis longos e cheios anos.
“ É Ana, é ferida que nunca cicatriza, não
é?” – me disse, dia desses, uma amiga na mesa do bar.
“ Sim, cicatriza.”
“ Mas, você está chorando!”
“ Às vezes dói olhar uma cicatriz, mas isso
não quer dizer que a ferida esteja aberta.”
Ela levantou e
foi ao banheiro, eu voltei pra casa pensando nisso.
Há tempos tenho uma frase
feita que é; “A dor passou e ficou a saudade.”
Mentira.
Não é mais
aquela dor que dilacera, que arromba o peito às quatro da tarde quando você se lembra
do que aconteceu, mas também não é saudade. É uma dor menor, algo mais próximo
do dolorido, talvez.
Voltei pra casa
dolorida.
Lembrei-me de
Dona Tetê, 74 anos, que trabalhava no café da empresa onde fui trabalhar na
semana seguinte da morte de minha mãe, ela me viu chorando enquanto fumava um
cigarro, pegou minha mão e disse:
“ Sei que é duro minha filha, mas olha, essa história de que a dor passa é mentira,
faz 42 anos que minha mãe morreu e
não passou ainda não.”
No momento eu ri
e respondi:
“Diga isso não, Dona Tetê”.
E ela me
abraçou.
Senti vontade de
abraça-la novamente, hoje com seus 80 anos e dizer que após precoces seis anos,
eu a entendo um pouco mais.
Mas, também tive
vontade de contar a ela, Dona Tetê e à minha mãe, de que mesmo quando a dor não
passa, a felicidade chega.
Nesses anos, foram muitas as noites de
tristeza, mas foram mais ainda os dias de felicidade.
Contar que cada
vez que abraço um dos meus irmãos, sinto a vida fazer mais sentido, que redescobri
meu pai de uma forma mágica e necessária, que aprendi e amo cozinhar. Que meu
caminho cruzou o caminho de mais dois amigos e que esse encontro me fez
madrinha de uma criança, que gera em mim um amor que jamais imaginei ter num
ser tão pequenino e inofensivo. Que sempre que escuto os aplausos após uma palestra,
penso no quanto queria que ela estivesse de alguma forma, que vivi pela
primeira vez um amor verdadeiro por um homem, que esse amor me fez uma pessoa
infinitamente melhor e que depois que ele se foi, entendi finalmente o que ela
me dizia sobre seguir cantando.
Como já disse outras vezes aqui, o que me mata
por dentro é não poder sentar com ela na cozinha e ter uma daquelas conversas
intermináveis.
Talvez contar
que, apesar de tê-la perdoado por ter ido embora, a vida por tê-la levado e o
médico por ter errado, não consegui me perdoar por não ter voltado ao hospital
naquela maldita tarde.
Escrevi isso tudo só pra desentalar mais um dos milhares que
ecoam vez ou outra dentro de mim:
“ Desculpa por não ter
voltado, mãe.”
Do mais, a vida segue colorida e feliz com a eterna gratidão
por cada mão que segurou minha, nesses
últimos seis anos.
Em especial sempre a Thiago, Clarissa e seu
Pontes.
Mas, esse ano às amigas-mães, que têm me feito resignificar isso tudo.
Téia, Ana Cláudia e Claudinha, vocês me inspiram.
E ao casal-querido Amanda e
Renato
por terem segurado tão forte minha mão nos últimos meses.